A Constituição Federal garante em seu art.5º, XXXV, o direito de ação, assegurando, pois, a tutela jurisdicional à todos os cidadãos, sem quaisquer distinções. Já o Código de Processo Civil vigente adotou a concepção eclética de Liebman sobre o direito de ação, e dessa maneira, embora o direito de ação seja abstrato e autônomo, necessário que haja o preenchimento de determinadas condições que se relacionam com a pretensão a ser julgada. Assim, enquanto o direito constitucional de ação é incondicional, o direito processual de ação depende de determinadas condições, quais sejam, possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse de agir.
Para a teoria de Liebman, as condições da ação não se confundem com o mérito, ainda que sejam auferidas à luz da relação jurídica de direito material discutida no processo, e, quando ausentes, geram uma sentença terminativa de carência da ação, nos termos do art. 267, VI do CPC, sem a formação de coisa julgada material, e a aferição das condições da ação pelo juiz pode-se dar a qualquer tempo e grau de jurisdição, e de ofício, por tratar-se de matéria de ordem pública, ou por iniciativa das partes, nos termos do art. 267, § 3º, do CPC.
Atualmente, porém, discute-se a verdadeira importância e utilidade em analisar as condições de ação, em se saber se estas são ou não matéria de mérito, sendo que tal importância e relevância estaria nos efeitos da coisa julgada sobre a sentença que reconhece alguma das hipóteses do art. 267, VI do CPC, posto que em sendo de mérito, a sentença faria coisa julgada material, impedindo a repropositura de ação idêntica na forma prevista pelo art. 268 do CPC.
Aos que defendem a doutrina eclética, como Tesheiner que define as condições da ação “como aquela parcela do mérito imune à coisa julgada” 1, afirmam que é absurda a tese de que o exame das condições da ação envolve mérito, uma vez que implicaria em admitir um conceito de mérito distinto daquele adotado pelo Código de Processo Civil, e buscam contornar o problema da identidade das condições da ação com o mérito da causa, afirmando que a investigação de tais elementos não constitui em exame de mérito porque fundada em juízos hipotéticos.
Contudo, entendo, seguindo a doutrina de Adroaldo Furtado Fabrício que, o exame das condições da ação “não esgota o meritum causae, mas é com certeza um passo que se dá dentro do mérito” 2. Ainda, o magistério de Galeno Lacerda: “Se (o magistrado) julgar inexistentes as condições da ação referentes à possibilidade jurídica e à legitimação para a causa, proferirá sentença de mérito, porque decisória da lide” 3.
A maior crítica acerca da adoção da teoria eclética de Liebman pelo nosso direito positivo se consubstancia no fato de que o juiz ao apreciar as condições estaria, ao final, decidindo sobre o mérito da ação, tendo em vista que teria de analisar elementos da relação jurídica de direito substancial havida (ou não) entre as partes.
Assim, doutrinadores de peso, como Luiz Guilherme Marinoni, Leonardo Greco, Barbosa Moreira, Araken de Assis, defendem a teoria da asserção, para a qual as condições da ação são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, com um provimento final de mérito, devendo as condições da ação serem verificadas em abstrato, considerando-se que as assertivas do autor na inicial são verdadeiras, sob pena de ter-se uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Para tal teoria, exigir-se a demonstração das condições da ação significaria, na prática, afirmar que só tem ação quem tem o direito material.
Portanto, aplicando-se a teoria da asserção, a sentença terminativa por ausência de condição da ação proferida após cognição profunda das alegações das partes, com esgotamento dos meios probatórios, implica em julgamento de mérito, não obstante fundamentada no art. 267 do CPC.
Para melhor exemplificação temos o seguinte exemplo: ação de cobrança interposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, durante o curso do processo, que o autor não é titular do crédito, para a teoria da asserção a hipótese é de improcedência do pedido e não de carência da ação, há o julgamento da improcedência do pedido, em relação ao mérito a sentença não é terminativa, mas definitiva, a qual faz coisa julgada material.
Para Candido Rangel Dinamarco, Ada Pelegrini Grinover e Antonio Carlos de Araujo Cintra “a exigência da observância das condições da ação deve-e ao princípio da economia processual; quando se percebe, em tese, segundo a afirmação do autor na petição inicial ou os elementos de convicção já trazidos com ela, que a tutela jurisdicional requerida não poderá ser concedida, a atividade estatal será inútil, devendo ser imediatamente negada.” 4
Luiz Guilherme Marinoni, entende que o estudo das condições da ação se deve a uma “inadequada compreensão do instituto da coisa julgada material”, explicando que “supõe-se que a sentença que afirma a ausência de uma condição da ação não produz coisa julgada material (...) se é evidente que aquele que escolheu a via errada deve ter o direito de voltar a ingressar em juízo através da via adequada, é completamente falso que a sentença que afirma que a via escolhida é inadequada não produz coisa julgada material e que somente por isso o autor tem o direito de voltar a juízo elegendo a via correta. A sentença que afirmou que a via escolhida pelo autor não era adequada não permite que o autor volte a juízo através da via já afirmada inadequada e, nesse sentido, produz coisa julgada material, impedindo a propositura da ação que já foi proposta (...) Quando é solicitado ao juiz a via adequada – e, portanto, uma outra via, diferente daquela que já foi afirmada inadequada -, o juiz está diante de outra ação, diferente daquela que produziu coisa julgada material.” E completa o autor “não há vantagem alguma em se falar em sentença de carência da ação, em vez de pensar em sentença de improcedência do pedido (...) Não deveria existir condição de ação, e nesse caso o CPC não precisaria, justamente porque em tese não deveria, distinguir a sentença de carência de ação da sentença que julga o mérito substancial.” 5
Ademais, tem-se que inobstante o CPC adotar expressamente a teoria eclética, bem como haver aqueles que defendam inexistir identidade entre as condições da ação e o mérito da causa, a jurisprudência, vem se inclinando no sentido de que o julgamento das condições da ação implica em exame do mérito. Veja-se decisão do C. STJ:
“RESCISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DO PEDIDO. EXTINÇÃO. JULGAMENTO DE MÉRITO. INTERESSE DE RECORRER. Quando, no julgamento de ação rescisória, proclama a impossibilidade jurídica do pedido, o tribunal está julgando o mérito da rescisória. Em tal caso não se pode dizer que houve simples extinção do processo. (...)”6 .
Portanto, à meu ver, correto seria a aplicação da teoria da asserção, o que viria à diminuir os transtornos causados pela aplicação literal do § 3º do art. 267 do CPC, indo ao encontro da celeridade e tempestividade processual, revelando-se, portanto, adequada quando se defende uma concepção abstrata do direito, e seguindo as lições de Luiz Guilherme Marinoni o juiz ao realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão, sendo que a natureza da sentença, se processual ou de mérito, é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou “nomen juris” atribuído ao julgado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva.
______________________
1. Tesheiner, José Maria Rosa. Elementos para uma Teoria Geral do Processo. p.128.
2. Fabrício, Adroaldo Furtado. “Extinção do Processo” e Mérito da Causa, in “Saneamento do processo: Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerdap. p.46.
3. Lacerda, Galeno.”Despacho Saneador”, p. 82.
4. Teoria Geral do Processo. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, p. 274
5. Manuel de Processo de Conhecimento. RT, p. 65
6. REsp 819.352/SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª T, DJ 21.05.2007 p. 574.
BIBLIOGRAFIA:
- FILIAR, Rodrigo José, Breve análise das condições da ação sob um ponto de vista doutrinário clássico, Âmbito Jurídico, Rio Grande, 73, 01/02/2010. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revistaartigos_leitira&artigo_id=7225.Acesso em 13/09/2010.
- WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Processo Civil – Curso Completo – 4 Ed. Revista Atualizada – Belo Horizonte: Del Rey,2010.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
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