Cabe, porém, aqui discutirmos se a tutela antecipatória prevista no inciso II do art. 273 do CPC pode ser concedida de ofício pelo Juiz, independentemente de provocação do autor, contrariando assim o disposto no caput do art. 273.
Parte da doutrina, entende ser inadmissível a concessão de ofício, estando a necessidade de provocação do autor fundada na responsabilidade objetiva do beneficiário da tutela (autor), posto que este arcará com eventuais prejuízos causados ao adversário (réu) na hipótese de reversibilidade da medida, aplicando por analogia o art. 475-O, I e 811 do CPC, e o que não seria possível caso a antecipação dos efeitos da tutela fosse deferida por uma decisão judicial que o autor não pleiteou. Para Alexandre Freitas Câmara, a exigência de requerimento da parte é consentânea com o princípio da demanda, não podendo o judiciário conceder o que não foi pleiteado.
Contudo, doutrinadores de peso, como José Roberto dos Santos Bedaque e Carlos Augusto de Assis, entendem ser perfeitamente possível que o magistrado venha “ex officio” antecipar os efeitos da tutela punitiva, afim de assim preservar a lealdade processual, sendo ainda que para Cássio Scarpinella Bueno1, "É irrecusável a questão sobre ser possível ao juiz conceder a tutela antecipada de ofício, isto é, sem pedido expresso para aquele fim. À luz do ‘modelo constitucional do processo civil’, a resposta mais afinada é a positiva. Se o juiz, analisando o caso concreto, constata, diante de si, tudo o que a lei reputa suficiente para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, à exceção do pedido, não será isso que o impedirá de realizar o valor ‘efetividade’, máxime nos casos em que a situação fática envolver a urgência da prestação da tutela jurisdicional (art. 273, I), e em que a necessidade da antecipação demonstrar-se desde a análise da petição inicial. Ademais, trata-se da interpretação que melhor dialoga com o art. 797 (v. n. 4 do Capítulo 2 da Parte II), tornando mais coerente e coeso o sistema processual civil analisado de uma mesma perspectiva".
À meu ver, no caso em comento, pode o juiz conceder a antecipação de tutela de ofício, posto que o abuso do direito de defesa ou o manifesto intuito protelatório do réu enseja a adoção de uma conduta ativa do Magistrado, na defesa da efetividade da tutela jurisdicional, prevenindo ou até reprimindo ato contrario à dignidade da Justiça (art. 125, III do CPC), sendo ainda que a concessão da tutela antecipada fundada no inciso II do art. 273 do CPC não encontra óbice no caput do referido artigo, já que quando interposta a ação, o Magistrado está autorizado a agir de ofício para prestar uma tutela adequada e efetiva (princípio do impulso oficial), não esbarrando nos princípios da demanda e no princípio dispositivo, uma vez que estes não são absolutos.
Ademais, a impossibilidade de concessão de ofício pelo magistrado da tutela antecipada quando caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, vem, além de afrontar a efetividade da tutela jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV da CF), violar ainda o direito fundamental ao processo sem dilações indevidas (art. 5º, LXXVIII da CF). O que deve se observar é a tendência processual moderna na busca da efetividade da tutela jurisdicional e da celeridade de tramitação, que tem como fundamento a própria Constituição Federal e subsidiariamente o art. 461, do CPC, onde é plenamente possível ao magistrado de ofício conceder a tutela, determinando assim as medidas necessárias para a efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente, tudo para evitar que uma das partes venha a se beneficiar com a demora do processo.
Ademais, temos que nos exatos termos do art. 14 do CPC, é dever da parte expor os fatos em juízo conforme a verdade; proceder com lealdade e boa-fé; não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; e cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final; sendo que este ultimo caso constituí ato atentatório ao exercício da jurisdição, passível de multa (parágrafo único do art. 14 do CPC).
Ainda, pelo princípio da lealdade, aquele que litiga de má-fé (art. 17 do CPC) pode ser condenado, de oficio pelo magistrado, ou a requerimento da parte, a pagar multa de 1% sobre o valor da causa e indenizar a parte contraria dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou (art. 18 “caput” e parágrafo 2º do CPC), podendo responder ainda por perdas e danos (art. 16 do CPC) e por abuso de direito (art. 187 do CC).
Portanto, indubitável, que se o réu abusa de seu direito de defesa, protelando o feito, deixando de proceder com a lealdade e boa-fé esperada, descumprindo assim com seu dever de parte, litigando de má-fé, cabe ao juízo, independentemente de requerimento da parte, agir de forma à punir e desestimular o réu da tentativa de retardar o feito, buscando-se assim maior efetividade da tutela jurisdicional e um processo célere, reprimindo qualquer ato contrario à dignidade da Justiça, pelo que, entendo, que não só pode, mas deve, o magistrado neste caso antecipar, de ofício, os efeitos da tutela pretendida pelo autor, e o que não o inibe de também sancionar o comportamento temerário, desleal, abusivo, ímprobo do réu, que é repelido pelo ordenamento jurídico, aplicando desta feita as penas do arts. 14, parágrafo único, 18 “caput” e parágrafo 2º do CPC.
Assim, é certo que a intenção do legislador foi a de punir a parte, que, valendo-se de práticas protelatórias ou abusivas, venha a procrastinar o andamento do feito, retardando que o seu opoente alcance o que lhe é de direito processualmente. E para coibir tal prática, entendo que deverá o magistrado, desde logo, antecipar os efeitos da tutela para o autor, providência esta que, quando adotada, fará com que se tornem inócuas as atitudes protelatórias do réu. Nas palavras de Roberto de Assis Matos “A jurisdição, já invocada, jamais deve ficar inerte quando por seu investido for constatado que se pretende retardá-la ou silenciá-la. A justiça é cega, mas ao sentir o cheiro ou ouvir rumores de deslealdade processual, não pode emudecer.” 2.
NOTAS:
1. Curso sistematizado de Direito Processual Civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 09-41. Material da 5ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG.
2.Tutela antecipada: possibilidade de concessão "ex officio" quando verificado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2310, 28 out. 2009. Disponível em:
BIBLIOGRAFIA:
MATOS, Roberto de Assis. Tutela antecipada: possibilidade de concessão "ex officio" quando verificado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2310, 28 out. 2009. Disponível em:
NASCIMENTO, Márcio Augusto. Concessão "ex officio" de tutela antecipada. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em:
WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Processo Civil – Curso Completo – 4 Ed. Revista Atualizada – Belo Horizonte: Del Rey,2010.