Na reforma das leis processuais, intenta-se não somente acelerar o procedimento, mas, principalmente, atender ao dever institucional e razão de ser da Justiça, que é a resolução dos conflitos de interesse e a efetiva realização de suas decisões.
Neste desiderato, a lei nº. 11.382/06, que alterou a sistemática da execução de título extrajudicial, acrescentou o artigo 745-A do Código de Processo Civil, dispondo sobre a possibilidade de o executado, no prazo para embargos (15 dias), reconhecendo o crédito do exeqüente, efetuar nos autos depósito de 30% do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, e requerer que o restante (70%) seja pago em seis parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% ao mês. Tal medida visa à realização da execução de forma menos onerosa para o devedor, atendendo ao disposto no conhecido artigo 620 da lei processual, e garantindo, de outro lado, o recebimento pelo credor do crédito em um prazo menor do que o inicialmente esperado.
Ademais, trata-se o art. 745-A do CPC de instituto heterogêneo que tem natureza potestativa, visto que o titular do direito ao parcelamento pode obtê-lo independentemente da concordância do credor, se preenchidos os requisitos do dito dispositivo legal.
Ressalte-se que, entendimento contrario sob o argumento de ofensa ao direito subjetivo do credor ao pagamento imediato, a meu ver, não prospera. O artigo 745-A, ao trazer nova forma de pagamento, atua sobre todas as obrigações nascidas em sua vigência, criando a expectativa de que o parcelamento possa ser imposto. Tudo funciona como se houvesse uma cláusula implícita, legalmente cominada, estabelecendo a possibilidade de que o pagamento seja feito em prestações caso o juiz defira o benefício solicitado pelo devedor no prazo para oposição de embargos, no seio de uma execução. A obrigação já nasce com esta limitação legal, presumindo-se que as partes têm conhecimento desta condição.
O credor tem direito a se manifestar sobre o pedido de parcelamento, mas seus argumentos devem se limitar à desconstituição dos requisitos erigidos pela Lei. Desta forma, poderão ser argüidas, “verbi gratia”, a insuficiência do depósito prévio, a intempestividade do requerimento, a prévia oposição de embargos à execução, etc., sendo, pois, vedada, a manifestação de não concordância pelo exeqüente.
Controvérsia ainda mais freqüente é quanto a aplicação dessa moratória no procedimento de cumprimento de sentença, posto que está prevista na lei somente para a execução por título extrajudicial.
Parte da doutrina e da jurisprudência, contrária a possibilidade do parcelamento, tem entendido que ele não se aplica a execução de título judicial porque o parcelamento previsto no artigo 745-A é um incidente da execução por quantia certa fundada em título extrajudicial, sendo uma alternativa aos embargos do executado, sendo que na execução da sentença os embargos não mais existem. Além disso, a execução de título judicial foi reformada pela lei 11.232/05, que não previu a possibilidade de parcelamento do crédito reconhecido. E, finalmente, que não haveria sentido trazer uma benefício ao devedor condenado em sentença judicial, normalmente proferida após anos de tramitação. Seria obrigar o credor a aguardar ainda mais seis meses para tomar medidas executivas de expropriação de bens, ou ainda, ver um devedor altamente solvente, com possibilidade de quitar a dívida imediatamente, parcelá-la por seis meses.
Inobstante referido entendimento, à meu ver, o art. 745 – A do CPC é plenamente aplicável ao cumprimento de sentença, posto que o art. 475-R do mesmo diploma legal autoriza a aplicação subsidiária das disposições reguladoras da execução de título extrajudicial à de título judicial, o que também se justifica pelo Princípio da Isonomia. Tal entendimento é sustentado por Luiz Fux e Freitas Câmara, e por parte jurisprudência. À exemplo os seguintes precedentes: TJSP 13ª Câm Dir. Priv., AI 7286228700, rel. Des. Zélia Maria Antunes Alves, j. em 11/02/2009; TJRS: 10ª Câm Cív, AI 70027819754, rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. em 23/04/2009; TJRJ – 15ª Cam. Ag. Inst. 2008.00212021. relator desembargador Celso ferreira Filho, j. 08/07/2008.
Ademais, é certo que pelos dispositivos legais que regem o cumprimento da sentença, esta deveria se desenvolver sumariamente, podendo atingir, em breve espaço de tempo, a expropriação de bem penhorado e a satisfação do valor da condenação, e por este prisma o parcelamento acabaria por procrastinar a execução. Ocorre que na prática isso não ocorre.
O que se verifica na realidade é que a localização de bens por parte do exeqüente que garantam o cumprimento da sentença judicial, a penhora, a avaliação e por final a expropriação dos bens, além de onerarem o credor, demandam tempo (superior à seis meses), não sendo assim vantajoso para este; sem dizer ainda nos casos em que vale-se o executado da impugnação com efeito suspensivo (art. 475 – M do CPC), e até mesmo da exceção de pré-executividade também com efeito suspensivo à execução; enquanto que com o parcelamento legal seria abreviada a satisfação do direito do credor, recebendo este seu credito devidamente atualizado e em dinheiro, sem precisar localizar bens do devedor e socorrer-se da realização da penhora, da avaliação, da intimação do executado e constituição de depositário, e por final, dos meios expropriatórios (adjudicação, alienação por iniciativa particular, alienação em hasta pública), que como é cediço, levam tempo muito superior à seis meses, e o parcelamento assim em nada viria a procrastinar a satisfação do credito, ao contrário, na pratica vem antecipar o recebimento, prestigiando assim o princípio da efetividade da execução.
Ainda, a não aplicação do art. 745 – A do CPC em fase de cumprimento de sentença conduz a uma séria limitação para o magistrado na prestação jurisdicional, sendo a lei um roteiro seguro para o magistrado no julgamento da lide e no cumprimento da sentença, como indicam os arts. 126 e 127 do CPC, sem que, no entanto, nela se esgotem as possibilidades para as resoluções dos casos, pois o magistrado também deve se ver obrigado a se socorrer da analogia, dos costumes, dos princípios gerais do Direito, podendo ainda julgar por eqüidade quando autorizado pela norma legal.
Assim, com a possibilidade de parcelamento no cumprimento de sentença, serão beneficiadas todas as partes envolvidas no processo: o devedor (executado), porque poderá quitar a dívida de uma forma menos onerosa, inclusive sob o crivo judicial; o credor (exequente), porque verá reduzido o lapso temporal normalmente obedecido no judiciário brasileiro, recebendo integralmente seu crédito em menor tempo, ainda que fracionado, além de reduzir os riscos de não localização de bens que garantam o cumprimento da sentença judicial; e o próprio judiciário, porque implicará na simplificação da lide, possibilitando uma diminuição do numero de processos pendentes, observando-se os princípios da celeridade e economia processual.
Pelo que foi exposto, entendo que o parcelamento conferido pelo art. 745 – A do CPC, independe de aceitação do credor, e pode ser aplicado em fase de cumprimento de sentença, posto que o art. 475 – R do CPC torna possível a sua aplicação, o que se justifica ainda pelo princípio da isonomia, bem como compatibiliza o principio da efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade ao devedor (art. 620 do CPC), equilibrando o direito do credor de receber o que lhe é devido e o do devedor de pagar de forma que lhe traga menor prejuízo, sendo certo, ainda, que beneficia o exercício da função jurisdicional ao promover a celeridade e a economia processual.
BIBLIOGRAFIA:
- THEODORO JUNIOR, Humberto. A Reforma da Execução do Título Extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
- FUX. Luiz. O Novo Processo de Execução - O Cumprimento da Sentença e a Execução Extrajudicial. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
- AMARAL. Paulo Osternack. O direito ao parcelamento do débito (art. 745-A do CPC) incide no cumprimento de sentença? Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 28, junho 2009. Disponível em: http://www.justen.com.br/informativo. Acesso em 17.05.2010.